terça-feira, fevereiro 14, 2006

"ELEFANTE"

Por onde alguém deve seguir

Um violino toca fora de hora e de lugar. Tenho uma gentil lembrança de observações que ocorreram lá pelos anos de 1964, quando ainda tinha oito anos. Esse filme lento que ocorre em contínuas sessões em algum canto do meu cérebro ou de meu coração, às vezes um, às vezes o outro, entrecortado por rasgões escuros que se sobrepõem as imagens me diz, em uma mistura de perversos odores e sons longínquos que não mais posso definir, mas que sempre se insinuam doces e coloridos nos plásticos do céu, do tingido do chão vermelho e esvoaçante, da luz fluorescente na varanda de minha casa – uma novidade para os meus olhos - me ensinaram o caminho para a vida, ou melhor dizendo, minha maneira particular de perseguir essa vida. Essas lições as apreendo por fidalgos instantes. No ofício que construí a partir de tentativa e erros, inclino-me, inexoravelmente, sobre materiais diversos e neles imprimo o que desejo, o que intuo e o que, certamente, nunca compreenderei e que vêm aparecer em formas e cores. Da neblina espessa das manhãs solitárias de minha infância, movimentando-se lenta por entre os montes e casas simples, que admirava caminhando em direção a escolinha de madeiras verdes, aprendi muito sobre a vida. Aprendi como ama-la sem pensar, como compreendê-la sem explicar, como acreditar em sua existência sem a necessidade de comprová-la, tão simplesmente como a lição da professora que cantava em classe “antes do ‘p’ e do ‘b’ temos ‘m’.” Os acontecimentos se sucederam como páginas folheadas em um livro escrito. Os formatos da vida insinuaram-se categóricos em suas sensações, massas e fluídos. Muitas vezes, quando não estou ocupado com inúmeros afazeres, fico livre e relembro daqueles coloridos; daquela luz fluorescente brilhando, tímida, na escuridão do quintal; da terra fresca e molhada pela neblina insistente naqueles anos, assim e dessa maneira meus olhos ficam aguados e me acalmo. Nesses momentos sei que ouço, que vejo, que sinto, sei que cheiro com o nariz apenas com o poder de lembrar, mas ainda não compreendo para que tanta vida e por que me alegro com ela e aceito suas tantas quantidades.