segunda-feira, maio 08, 2006

"Um envelope chamado "327"


Faz muito frio as 6h30 da manhã no atelier do Jabaquara. A proximidade com a mata do Parque do Estado deixa o ar muito branco de neblina e tudo muito gelado. Tenho a chave da porta grande de correr da entrada e uma autorização verbal para vagar sem rumo por entre uma infinidade de objetos; pelo extenso galpão; por caixas, armários e pacotes lacrados. Dá pra ler as indicações rascunhadas sobre alguns deles: “des. 1978”; “Imagens cine/arte expo 1982”; “Gravuras metal/idéias”, e assim por diante.Um prévio conhecimento geográfico do lugar me foi passado, sem muita profundidade, assim como quem está sem vontade de revelar endereços ou até mesmo arrependido de ter liberado minha solitária visita. Aproveito a total ausência de pessoas para iniciar minha investigação e não me esqueço das regras para fotografar ambientes e as obras que me foram impostas pelo proprietário do lugar. Ainda nutro uma certa culpa por ter me aproveitado da avalanche de compromissos que afastaram o artista daqui e contribuíram para liberação deste meu projeto. Como assumi determinadas funções para com os trabalhos de divulgação que desenvolvemos, sobre estas artes e este artista, aproveitei tal ocasião para liderar minha própria mini curadoria. Meu interesse são os pacotes e seus conteúdos. No fundo sei que meu trabalho jornalístico encobre uma certa curiosidade para com esse território afastado. Ainda tímida e gelada, um pouco também pela solidão que passei a sentir, ando meio a esmo, procurando algumas caixas de madeira pintadas de preto, com tampa e cadeado, que estão no andar de cima do galpão (são quarenta e dois degraus até aqui em cima e a vista que se tem da mata enregela-nos mais ainda), que é chamado de oficina, e que são objetos de meu inicial estudo, descoberta e curiosidade. Neste grande espaço, que me parece muito entulhado de objetos, prateleiras e ferramentas, observo grandes telas embaladas em sacos bolha – mas não posso me deter com elas - , pacotes de todos os tamanhos e minhas tão almejadas caixas pretas. Em uma delas “pesco” um envelope em meio a muitos outros. Seu nome é: envelope 327 – riscos/2004. Não quis conferir a quantidade de rabiscos, mas acho que o nome está ligado a quantidade. O envelope está assinado pelo artista. Sento-me sobre uma lata que estava por ali, destampo minha garrafa de chá mate – bem quente - sirvo-me generosamente lembrando-me de um brinde. Começo a separar desenhos do meu interesse para compor um número limitado de imagens para divulgação. O restante volta para o envelope, que volta para caixa, que volta para o silêncio dali.
Taís Wonder Grimme


Desenhos do envelope "327" - Luiz Carlos Rufo

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

muito lindo!

1:43 PM  

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