"Sonhos de Cornucópias"

A semana de abril foi interessante sob o aspecto das sincronias. Sincronias da arte de Rufo.
Assumi as funções de espia, um vigia secreto, para poder revelar aspectos subterrâneos desse trabalho intenso e continuo de fabricar imagens a partir das referências e das não referências. Eu me entendo. Pretendo, como jornalista e pesquisadora com interesses em curadoria e estética da arte, montar uma parte pequena desse gigantesco quebra cabeças. Compor um retábulo histórico, criando um altar revestido em talha dourada e policromia – como tanto ele gosta - antecipando-me as oportunidades da história de um artista, me é visível como a uma oportunidade impar. As pequenas histórias me interessam. Acontecimentos passageiros e de significados recônditos saltam aos meus olhos apaixonados pelas coincidências. Minha vó sempre afirmou com convicção de que nada era ao acaso e que nas pequenas coisas residia os grandes valores. Detenho-me lembrando da avozinha ao rebolir papeis insignificantes, sob papeis de algum valor, que estão sob papeis importantes na bancada de trabalho do atelier do Jabaquara –ainda estou nele, e pelo que posso antecipar, será difícil sair daqui em breve tempo, hoje é o terceiro dia e há muito material colhido, mas não posso esquecer que a Arvore 637 – novo atelier na Lapa - , ainda virgem, acabou de receber lotes de antigas telas que estavam adormecidas em um depósito há mais de 20 anos sob a tutela de um grande amigo dos idos dos 1970. O artista Rufo nasceu lá, participou ainda menino dessa década de encantos artísticos, e revela partes da arte que constrói até então. Isso me interessa. E falar sobre isso, expor essa minha estratégia esvazia minha estratégia, portanto aceitar o trabalho de falar sobre aspectos da arte de Rufo desmonta toda uma maneira de que me sirvo para convence-lo desse trabalho histórico antes da história. Sou criativa, e logo inventarei novas formas de convencimento.
O desenho que segue só se revela em significados quando mostrado junto com a história de um sonho. Diante de dúvidas intransponíveis que surgiram diante de tantos e tantos envelopes embrulhados e lacrados dentro de outros antigos pacotes fechados, descansei olhando algumas gavetas. Abrir gavetas é muito mais constrangedor do que abrir envelopes empacotados. Têm-se a sensação dos olhos do dono em suas costas. Dei de cara com os desenhos de um relato de Rufo. O relato de um sonho cheio de incógnitas para o sonhador, nosso artista. Numa tarde, Rufo e eu, apreciávamos algumas “Cabeças e Cornos” de Deneval Ramos (parceiro de Rufo no atelier do Jabaquara – artista as avessas, que não gosta de citações) começou a me contar, referendando como motivo aparente tais esculturas, que em um de seus sonhos uma virgem nua em casaco de pele de carneiro, que lhe cobria apenas o torso, lhe impressionara por ter longos chifres encaracolados e que tentara representar tal sonho usando a técnica do rabisco. Ao desenhar a virgem, sentia grande dificuldade em lhe colocar tais cornos no alto da testa, pois esses não lhe coroavam harmoniosamente a cabeça como em seu sonho nem como nas cabeças de Deneval. Dias depois dos esboços guardados e esquecidos abaixou-se, durante suas costumeiras caminhadas por São Paulo, para amarrar um dos sapatos e percebeu que pisava um retalho de imagem: um ser com os mesmos chifres encaracolados, só que colocados na cabeça com o equilíbrio que havia na figura do sonho. Publico os desenhos desse relato mais o recorte com a foto achada coincidentemente, como uma resposta, pelo artista. Interessante sincronia.

Taís Wonder Grimme

Fotos/Mira Serrer Rufo