quinta-feira, maio 08, 2008

"O porta-voz"

Ézio ama você! Ézio ama Catarina, você já sabe. Ele, uma pessoa tendendo à indecisão quando seu itinerário é interrompido e precisa, com urgência, optar por predileções importantes. Nessa hora ele não se intimida e recorre aos amigos que mais tem conhecimento das coisas independentemente do fato de ser verdadeiro. Quantas vezes eu quis falar, com expressão de emoções, anunciar em voz alta, deste amor no riso e no choro que me queima por dentro, mas, o mundo quase redondo que sei não quis nem ouvir. Parecia-me perder meu escasso tempo, porém tudo tem a hora e logo alguém parou para ouvir-me. Ouvir de quem suplica que ainda há uma chance para quem vê Catarina. Catarina como uma pequena roda de relógio, cujos dentes são achados pelas espátulas do guidom. Vejo-te como um prenome, uma flor-de-veludo, vítima de olho-grande, um nome próprio da lista de nomes próprios que inventei cantando, espremendo da língua portuguesa, poemas, e de etimologias desconhecidas, essa sua doçura, esse seu perturbador encanto. Catarina! Falo por Ézio e vejo mil carros afogados. Faço de seu amor minhas palavras e vejo suas rodas em lama. Lembro-me que ele me espera e vejo-me preso a tuas ancas que se lhe monto na garupa sem a possibilidade de falar. Penso haver alguns eruditos – sempre os leio - que têm colocado hipóteses de o seu belo nome relacionar-se com Hecaté, deusa pagã da magia e da sensação de deslumbramento. Te amo Catarina, em nome de Ézio – a quem prontamente represento - tanto que turva-me a vista, não importa, sonho com a paz, apenas relembro seus cabelos escorridos de um amarelo branco a esconder-se atrás de suas orelhas levemente abanadas para a frente. Outros associam esse teu santificado nome com o adjetivos gregos como o de katharos que sei cantar como algo significante de pureza e castidade. Rio-me pois não sou eu e sim, Ézio. Sei que assim não o és em abstinências completas dos prazeres de amores, pois já que te conheço e te observei agarrando-se com os pés e as mãos como um fogo em labaredas. No português medieval, o nome era usualmente grafado como Caterina, Catarina! o que teria levado o poeta Camões a inventar o anagrama Natércia para ocultar, para segurar, a verdadeira destinatária dos seus poemas de amor. Assim como Ézio, em conseqüência, Camões amava uma secreta Caterina, Catarina! uma portanto Natércia. Como seria poder largar do feitiço das cores? Como seria poder encontrá-la já que tem um ardor? Tem poderes para produzir um efeito real em mim e fazer-me jogar uma canção para você, qualquer valor de rimas, pois eu não estou dormindo agora, nós não nos efetivamos neste e em nenhum lugar em que me chamas para eu ir sem você. Amanhã vou seguir você Natércia, para onde quer que vá, pois tenho um recado de Ézio. Não me engano pois sei que acaba de voltar do império das noites frescas. Quando te vi você desapareceu entre minhas mãos. Assim não Natércia, assim não! Você pediu que te esquecesse, pois és dura como a flor, fiquei a dormir, mas com um de meus olhos, quase cego em alerta. A lembrança de você espanta meu sono e faz formigar meus pés. Há muito o que caminhar. Há muito a percorrer. Nenhuma delas tantas me satisfaz, uso-as apenas, pois não tenho como satisfazer sua ausência. Reflito sobre o dia em que já te esqueci, odeio os sonhos mortos, as antigas ruas vazias de minhas lembranças. Onde estão os velhos amigos? Onde estão aqueles que conheci? Vejo você, Natércia, em viagem de navio que é seu natural e desejo fazer alguma coisa vir a ser turbilhão, um furacão mágico de proporções aterradoras para traze-la de volta. De volta para esses lençóis estendidos sobre o capim dourado formando curvas em meus sentidos. Sinto que meus segredos estão sendo desvendados por mãos que não me podem sentir, um modo de operar algo em mãos sem aderência, mãos cheias de dedos. Mãos de palmas errantes. Estou pronto para ir te encontrar em qualquer lugar que se refira à natureza , estou pronto para colhe-la e estalar a língua. Estou pronto para vê-la dançar para que me possa abrir os caminhos que levam a você, me abrigar em você com números de dança flexionando os joelhos. Natércia, você não é de ninguém, embora poderá rir sob o sol e girar sobre seus saltos altos, a ninguém seu destino pertence. Você nasceu para fugir dos que participaram da elaboração, você nasceu para correr, pois essa beleza, como um plano, que é só sua, foi castigo. Foi o céu quem lhe deu conseqüências para que estes da terra a aceitem provendo o que vem a ser seu natural. Seu frescor abre caminhos para que todos possam ver quantas são suas barreiras e eu estou aqui apenas para diverti-la. Sua beleza me persegue e eu te acompanho como sombra, não te toco, não te percorro, não podes me afagar, Natércia. Todas essas nuances me passam pela cabeça como anéis de fumaça que sobem, sobem e se alargam em dispersão desenhando no espaço variáveis aleatórias. Minha mente recebe o meu coração, um ato para enganar o que o tempo faz ruínas, arvores secas, caminhos e rios. Minhas botas estão molhadas e não enxergo o caminho. Esqueci-me de Ézio. Vejo-me triste agora, louco por seu amor que penso ser um céu de diamantes. Penso que sua mão acena para mim reverenciando as minhas memórias. Fico livre e consigo ver as montanhas além do mar como arcos de sorte coloridos e presságios ofuscantes, já sou pescador durante a pesca noturna.
Permita-me esquecer-te hoje até amanhã.
)Luiz Carlos Rufo - trecho de "Natércia" - 2008(

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Esplêndido!
Este texto tem uma riqueza de imagens, ímpar...

bjs

M

7:31 AM  

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