terça-feira, dezembro 20, 2005

Carta de amor



Vou escrever na primeira pessoa, é mais honesto.
Você que me parece muito mais honesta do que eu próprio e nunca me fala na primeira pessoa que você é, sei que me entende. Ao ouvir o seu nome compreendi, rapidamente, seu significado brilhante e aventureiro, mas perante sua especialidade constatei, ao vê-la, que afastou-me das possibilidades e ainda me afasta. Mas eu ainda consigo ler, pois você se reescreve a cada hora, mas eu sei ler. Presenteio-lhe com textos, sempre, meus ou de outrem, incansavelmente. Sabe a razão? Tenho a necessidade de construir imagens, desenhar com fumaça de nuvens. Entrar em seu olhos e ver através do que eles enxergam e pintar, puxar a tinta para lá e para cá, sem descanso, formando nuvens claras. Descobrir através desse ato mago o silogismo de sua premissa, de sua aparência, desse seu eu não perfumado, triste, desprotegido e torturável. Ah! esse seu disfarce para com os próprios encantos, sua doçura para com o mundo, seu viés, mas, mesmo assim, estou em festa.

Desejo não vê-la mais, e sim prová-la. Um desejo que me é oportuno e suscitado por uma leve, tênue e ineficaz sensação de você. Você, esse nome, escondida em um cabelo de moldura em minha lembrança, não que me lembre exatamente deles assim e assim. Os cabelos, os seus com seu nome são, pois, envólucro, acondicionando toda a sua cosmogênese. Estranhamente preciso começar por eles, por suas pontas para reconstruí-la, pois todo seu rosto ainda está vetado para mim, e não se esqueça, por ordens, irrevogáveis, suas. Só quando a reencontro, revejo-a. Foi-me vetado recorda-la. Em uma volta sem cheiro de um lindo nariz obriga-me, você, a escrever enquanto desejo pintar e sentamos por quanto deitar seria de fato lúdico e salutar para nossas almas que choram. Seu corpo nu se mostrando, assim lhe imagino, sua boca, agora sem palavras para disfarçar, é apenas boca que se equilibra aos olhos suavemente fechados. A cama, que não é minha nem sua, acolhe sua figura brilhante de modelo vivo, enquanto meus olhos a queimam, queimam você e tudo que seu nome trás. Minhas mãos se movimentam rapidamente enquanto sua imagem flui solta sobre o suporte ensangüentado com múltiplas cores. Você não quer, mas está lá. Eu não a sinto presente integralmente mas a capto sem piedade confirmando que quando sua gloriosa figura alva aproxima-se de mim, mais se afasta. Quando percebo você já se foi. Uma alegria que é tristeza. Sua tristeza, alias, que me fez guia-la por ruelas e desejar sua mão. Empurrei-a, disfarçadamente em direção ao santuário para que se redimisse de seu estranho pesar. Entramos, fizemos o sinal da cruz e nesse momento silenciei e percebi que, em genuflexo, você emitiria, silenciosa e se esquecendo de mim, uma oração. Um anjo alto, leve, vestido de azul como são as cores de minhas nuvens, com detalhes rocambolescos em vermelho e dourado como sugere seu nome, o seu nome, parou com mãos finas e doces e entendeu que esse seria seu ato, uma prece. Veio saído do fundo do mosteiro, flutuou rápido em nossa direção, encarando-a, lindamente sem que você se desse conta da aparição. Um semblante de jubilo que reluzia muito. Oh, crédula figura. Sem dirigir o olhar a mim que tudo acompanhava com atenção e disfarce com medo de interferir, reverenciou-a e pousou seus lábios sobre os seus pés, que estranhamente estavam, por segundos, descalçados. Foi nesse momento que a quis para as minhas imagens. Você não se ajoelhou. Ele se foi. E eu me confundo com seu olhar disperso.

É, a dona do nome é uma mulher dourada, pois assim é sua relação de estima, seu nome, mas as significâncias de tamanha qualidade são inconscientes desse caráter, alheias a possibilidade que seu nome lhe confere, e lhe entrega, para uma estonteante aptidão, sufragando malícia para experimentar novas sensações. As estrelas em seu redor palpitam a justeza para com o sucesso e uma das mais geniais concepções de espaço que a humanidade produziu através de sua fantasia não manifesta. Nesse limite de compenetração vi povoar-se o céu e a terra, os mares e o mundo subterrâneo de minhas excêntricas divindades. Superando o meu tempo, você ainda assim se conservou com toda a sua serenidade, equilíbrio e alegria. Seus cabelos, ao contrário da primeira vez, estão presentes em minhas lembranças e deles não consigo nenhuma confissão. Como haveria eu de escrever-lhe com esse enorme desejo que insiste e vai privando-a de minhas construídas imagens? Imagens que me surgem em carrossel, em caracol, em turbilhão a partir de um único desejo? Desejo suscitado por uma leve, tênue e ineficaz sensação de você. Você escondida em um cabelo moldura em minha projeção de uma reentrância de sua desavisada orelha, em uma volta sem cheiro de seu lindo nariz. Você me faz escrever enquanto desejo pintar, sentamos por quanto deitar seria de fato e quando sua figura aproxima-se da minha, mais se afasta. Quando percebo você já se foi. Uma alegria que é tristeza. Uma vontade nua em diálogos vestidos.


Verdade, seu nome clama que, sim, há uma festa por aqui!