sábado, setembro 23, 2006

"FLORIADO"

Imperfeição, desleixo e gratuidade


A Musa Artística é prima distante do Dom Gratuito. Compara-se a este por ser simples, com os cabelos desalinhados, andar desajeitado e gestos comungantes e obscenos. Seus olhos nada perdem e seus seios são sempre fartos e, deliciosamente, disponíveis.

Considero os erros sempre com naturalidade ao produzir e criar. As imperfeições de maneira espontânea relevando, que é característico e próprio do instinto, vistas grossas as duplicidades na idéia ou nas suposições. Dessa maneira, e agindo assim, aproximo-me dela, a Musa.

Sei que ela fala sem pensar, intui os acontecimentos e tece, concomitantemente, seus enredos invertendo-os, contrariando-os, sempre avessa aos interesses, exacerbando-se risonha pelo que considera criação. Em constante desacordo, desassossega-se, deixando-nos livres de sua forte presença para que compreendamos o que dela flui, para criarmos, dando formas aos seus assopros.
Bonita essa Musa.

As imperfeições nas obras são distrações fundamentais, afagos de mãos despercebidas, fatos irrefutáveis que muitos desavisados apontam como erros ou falta de refinamentos hereditários, e que sem isso, ou aquilo, ela, a Musa, jamais me acompanharia nos, sempre constantes, cafés. Deliciosos cafés, esses, aos quais já, nós dois, ela e eu, afeiçoamo-nos.

quarta-feira, setembro 20, 2006

"A Musa e eu. Eu e a Musa"

quarta-feira, setembro 13, 2006

"Pássaro na janela"

"Desenhar, desenhar."

"Presente"

"Anjo, 1970; Anjo, 2000"

"Josepha e Ariowaldo"


"Josepha e Ariowaldo, uma história de amor."

"Menina Oráculo"

"Cabeças de Mulher"

"Sala de Pinturas"

terça-feira, setembro 05, 2006

"QUIS TE CONHECER"


...
Por um momento pensei que estava querendo muito. É sempre assim. Pensar querendo sentir, já ouvi muito a respeito, emborca o sentido primeiro. A salivação segregada pelas glândulas sem humor. É sofrer demais. É querer, facilitar e cuspir, apesar de ser uma mulher linda e, portanto, poder escolher ofertas de amigos. Fico imaginando como você come, quando faz a barba, se tem vontades secretas, se fuma ou come doce. Você é lindo. Tudo eu penso durante o meu dia em seus intermináveis segundos. E mais nem sei se você existe ai em seu tempo da maneira que o sinto, imagino, aqui dentro dos meus segundos eternos. Sempre me prendo na passagem desse tempo e descobri que medito. O que conheço, e sei muito quanto me custa, é seu jeito de dizer as coisas e construir figuras dentro de minha parca imaginação, em minhas salas vazias, tablados elevados do chão que flambam ao menor movimento do bailarino e sua penugem superficial. Como já sabem, sou linda, sou eu, sou somente dele. Me arrepio quando aspergida por ele, não raro. Você pode ser muito velho, ou muito novo, barrigudo, filho de alemão. Não sei de nada, nada. Hoje é um daqueles dias, ele não me liga. O que sei é que seu modo de dizer me cativou. Aquela mão esquerda descrevendo gestos sinceros enquanto a direita, pousada, dorme sobre minha perna quente, a centímetros de mim. Cativou-me, sim seu jeito disperso e reconfortante de algo por vir a acontecer, a ponto de eu me desesperar quando imaginei se você, ele, não era apenas um codinome ocultando a identidade de ninguém. Uma caricatura. Um rabisco no céu de nuvens me enchendo o saco pois li que é preciso muita prudência na identificação da obra de Masaccio, pois ela pode .... Alguém brincando de ser alguém. Um cachorrinho que aprendeu a falar, eles aprendem, sabia? Porque lembrar de Tommazzo San Giovanni Valdano, artista de vida curta, muito, muito curta, pois como alguém como ele morre antes de completar 27 anos, com a missão, me parece, de chegar à terra, deixar seu recado e voltar de onde veio, para dar conta de sua frutuosa missão: Masaccio. Lindo Masaccio. Ele teve de pintar, em 1427, a magnífica “Adão e Eva sendo expulsos do Paraíso". Um anjo com aspecto frio e armado de espada indica à saída; Adão com o pênis a amostra tampa o rosto com as mãos; Eva chora desconsolada e frígida. Eu sinto que esta representação fala comigo. Masaccio, ah! Masaccio. Veja, meus atributos são especiais. Digo, os do físico. Sou portadora da beleza, o que na realidade representa um castigo não um dom. Ninguém sabe o que realmente sinto, a beleza é desfaçatez. Descaramento em um dia cinza. Me olho e me engano, compreende? Sou mulher, no mais egípcio sentido da palavra. Mulher, e bela. Só isso me dá o direito de te admirar. Sei fazer. Esquento o coração até ferver, e sua água gelada me inunda e eu passo a acreditar. Minha beleza fere os desavisados, mas você, ele, me acorrenta. É inatingível, é sólido, é grego, não é da terra. Sei que trama no escuro e de seus olhos brota a tão desprezada luz de seu fígado. Luz que rodeia. Luz de teu nome. Luz e escuridão, desacompanhadas de mim, para mim. Perverso. Masaccio! Descuidado. Alheio de mim.
Querer te conhecer me colocou em risco. Vibrei de emoção. Detestei essa maneira de você, ele, me querer, longe e de perto eu te solicitava. Masaccio.
...

"DEUS"


"Dizem que Deus escreve certo por linhas tortas unicamente por Ele estar desenhando."

segunda-feira, setembro 04, 2006

domingo, setembro 03, 2006

"O encontro"


O encontro de um pé com outro.
Andar é bom. Andar faz o pensamento ser leve. Andar lembra pé. E pé lembra muitas outras coisas. A propósito, o que René Magritte, pintor belga, nascido em 1898, bastante surrealista por sinal - de fato um surrealista, dá pra ver que era - estava fazendo, esse senhor, na Rua José Elias, Alto da Lapa, na sexta à noite? Forçando uma relação vulgarmente considerada indissolúvel? Seria para ser mais facilmente classificado como um pensador surrealista? Acredito que sim, pois, creio eu, coisas visíveis podem ser invisíveis, as vezes, hum – que inquietação. Contudo sabemos que estava lá. De fato. Sei que ele preparava uma das suas singulares idéias para telas pintadas na escuridão da noite e foi surpreendido, sem prévio aviso, por mim, um alegre transeunte apoiado pelos pés. Por mim que sou, vá lá, um homem atento e não menos genial. Falando francamente não posso dizer tê-lo visto, assim de frente, apenas com um pouco de obliqüidade. Foi apenas um vulto fugidio que, oras oras, me confundo e ensejo um momento propício que seria apenas o ônibus passando, não importa. O que oportunamente vejo é que os sapatos que, ele o René, usaria na tela ficaram ali, no passeio, quase encostados ao muro que separa o jardim do prédio de moradias da rua movimentada, na calçada perpendicular a via anteriormente mencionada. Rapidamente fotografei o cenário. Fixei meu olhar sobre a cena. Sei que ele não teve como concluir a obra assim tão rápido como eu a concluiria, pois o trabalho é sempre complexo e obriga ao raciocínio, à interpretação e ao estudo. Não percebi sua real idéia, mas os sapatos borrados com cal estavam lá e eu os seqüestrei. Não os sapatos em si mas a idéia de sapatos com cal. Trouxe-as comigo e para mim. Sapatos com cal na ponta chamam-se Magritte, pois ele sempre afirmou fazer uso da pintura com o objetivo de tornar visíveis os seus pensamentos. Como os quadros de Magritte, esses sapatos não podem ser simplesmente vistos. Precisam ser pensados. Todo o surrealismo tem uma fatia de loucura que revela toda uma genialidade. Magritte é genial portanto, tenho como provar, sei que o encontrei na José Elias. Uma cena noturna encobre o par de sapatos e nos anima a olhar, reconhecendo, a natureza surreal desta cena aparentemente realista. René estava lá, eu estava lá e os sapatos também.